quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Crítica: Trumbo - Lista Negra

Antes de começarmos com a crítica deste filme, acho que é importante pararmos um pouco para fazer uma breve retrospectiva sobre o período que ele retrata.

Pouco tempo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo se viu dividido em duas grandes zonas de influência. De um lado, tínhamos os EUA, representando o Capitalismo, e do outro, a "extinta" URSS como porta-voz do socialismo. Em pouco tempo, essas duas potências se viram lutando, indiretamente, pela hegemonia mundial naquilo que ficou marcado como sendo a Guerra Fria (1945-1991). 

Essa guerra, contudo, não aconteceu apenas no âmbito externo - com sistema de empréstimos, apoio à aliados, e financiamento de ditaduras - mas também teve bastante influência internamente. Os Estados de ambas as nações perseguiram e investigaram -e, muitas vezes, prenderam - todo e qualquer cidadão cujas concepções políticas não cassassem com as oficiais. A população, em constante estado de paranoia, auxiliava o Estado em suas investigações, denunciando e perseguindo seus vizinhos, amigos ou mesmo familiares em nome da segurança nacional.

É durante esse período de grande paranoia e absurda polaridade - que, ironicamente, rendeu alguns dos mais interessantes trabalhos já realizados pelas mídias cinematográficas, televisivas e literárias -, de medo e caças às bruxas, que se desenrola a história de Trumbo - Lista Negra.

E é aqui que nossa crítica realmente começa.
 


Nesta cinebiografia dirigida por Jay Roach - mais conhecido por seu trabalho em Entrando Numa Fria  e Austin Powers - acompanhamos a trajetória do roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston) desde sua queda - quando, perseguido por conta de suas crenças, ele se viu persona non grata no meio hollywoodiano - até a posterior e turbulenta ascensão - quando, após anos e anos se valendo de pseudônimos, ele finalmente pode ver seu nome creditado em uma produção.


Já de saída, é preciso salientar o grande trabalho de Roach na condução do filme. Apesar de ser mais conhecido por seus trabalhos em comédias, ele mostra aqui que é mais do que capaz de conduzir um drama - e dos bons - conseguindo não só contar sua história, mas mantê-la sempre interessante e equilibrada - e sem jamais escorregar para o dramalhão, algo que poderia acontecer com muita facilidade no decorrer do filme.

No entanto, o verdadeiro ponto forte do filme está no elenco, especialmente em Bryan Cranston.

Pois, sem querer desmerecer o restante do elenco - que conta com atuações sensacionais como, por exemplo, as de Helen Mirren e John Goodman - é Cranston quem sustenta praticamente todo o filme. Com um personagem incrivelmente carismático e teatral, sua atuação, verdadeiramente merecedora da indicação ao Oscar, é simplesmente deslumbrante. De fato, o Trumbo  de Cranston é um daqueles personagens como o Jordan Belfort de Leonardo DiCaprio, que aparecem ocasionalmente nos cinemas e que, uma vez vistos, se tornam difíceis de esquecer. Para aqueles que conheciam o ator apenas por seu papel em Breaking Bad, eis uma nova oportunidade para testemunhar o talento de Cranston - e sem dúvida merecedor de sua indicação ao Oscar.

No entanto, dois grandes problemas assolam o filme.

O primeiro deles, e o menor, é o modo ligeiramente abrupto como o filme começa. Digo, não que seja necessário meia hora de filme para apresentar o passado do personagem - algo que seria não só cansativo mas também não entraria no escopo do filme - mas do modo como o filme é feito, o há uma ponte que conecte o espectador ao personagem. De fato, só vamos ter uma noção de quem é Dalton Trumbo no decorrer do filme o que, para quem não está familiarizado com a história - ou o período em questão - pode causar um ligeiro estranhamento. Mais uma vez, não é nada que realmente consiga atrapalhar o filme, mesmo assim, é uma falta que pode ser sentida por algumas pessoas.

O verdadeiro problema com Trumbo, no entanto, está no modo como ele apresenta o conflito principal.

Não quero tentar justificar o injustificável e infame período de  "Caças às Bruxas" do começo da Guerra Fria - que, no melhor dos casos, só pode ser definido como criminoso - no entanto, é preciso que seja dito que a escolha tomada pelo filme para representá-lo não é das melhores. Ao optar por dividir seu elenco nitidamente entre "heróis" e "vilões", o filme termina gerando caricaturas simplistas de seres humanos. Dessa forma, até mesmo  a atuação soberba de Helen Mirren fica eclipsada pelo fato de sua personagem ser muito mal desenvolvida.Afinal por piores que tivessem sido as pessoas envolvidas nos julgamentos e delações, todas tinham seus motivos, suas histórias e opiniões e, da mesma forma, todas saíram marcadas pelo processo de alguma forma - como exemplo disso, temos o próprio Elia Kazan que precisou fazer todo um filme para se justificar, não só para o mundo, como também para si mesmo, pelo que havia feito

Curiosamente, o final do filme aponta para um tom mais conciliatório - no discurso de Trumbo de que, no fim das contas, todos foram vítimas daquele período - ainda que isso não seja feito de fato no filme em si.


Como último adendo, resta apenas observar o timing incrível do filme. Numa época de extrema polarização e argumentações idiotas, de violência e intolerância, Trumbo vem quase como um alerta para as consequências que tal comportamento pode gerar.

Afinal, hoje, tal qual na época do Comitê de Atividades Anti-Americanas, as bruxas estão à solta - e seus caçadores, infelizmente, também.

Boa noite e Boa sorte.

Nota: 8,0