O grande desafio em se tratando de continuações é que, ao mesmo tempo em que tem que se manter fiel à obra antecessora, mas sempre acrescentando algo de novo em sua narrativa, a continuação precisa, inevitavelmente, lidar com todo o sucesso gerado anteriormente - e que se torna o parâmetro a partir do qual todo e qualqueires julgamento será feito.
Isso é especialmente verdadeiro no caso dos grandes sucessos e, assim sendo, não é de surpreender que, desde o seu anúncio, uma grande expectativa tenha se formado em torno da Segunda Temporada da série do Homem Sem Medo. O fato dela também se propor a trazer para as telas dois personagens icônicos da Casa das Idéias - o Justiceiro e Elektra - não ajudou em nada a conter a expectativa gerada, e é o resultado dessa empreitada que iremos discutir a seguir.
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O Justiceiro foi o grande destaque da segunda temporada. (Divulgação) |
Dando prosseguimento aos eventos da Primeira Temporada, acompanhamos a vida dupla de Matt Murdock (Charlie Cox), advogado durante o dia, vigilante durante a noite, num momento de raro equilíbrio, que logo será completamente destruído pelo surgimento de um novo vigilante, o Justiceiro (Jon Bernthal), e o retorno de uma importante personagem de seu passado, Elektra (Élodie Yung) que trará sérias consequências para sua vida pessoal.
Já neste primeiro ponto está o grande divisor de águas entre as duas temporadas. Se na Temporada Um tivemos um vilão central - o incrível Wilson Fisk de Vincent D´Onofrio - para conduzir o embate da trama, na Tempora Dois essa figura é suprimida. Em seu lugar, entram em cena o Justiceiro e Elektra que atuam muito mais como fontes de um outro tipo de embate para o Demolidor. Ao passo que Fisk representa um mal propriamente dito, Frank Castle e Elektra trafegam pelas famigeradas zonas cinzas - como bem observado por Renato Félix em sua crítica sobre a série - da personalidade humana, não sendo nem puramente bons nem maus, o que transporta o confronto para um plano muito mais ético e moral do que físico.
Mas ainda que essa escolha marque a grande separação entre uma temporada e outra, é preciso ressaltar que ela vem como uma evolução lógica da mesma. Afinal, tendo a primeira temporada se focado na origem do herói, nada mais natural que sua sucessora se dedique a trabalhar seu desenvolvimento e amadurecimento moral.
Ainda falando sobre os recém-chegados, a atuação de Jon Bernthal é simplesmente sensacional, ombreando facilmente com a de D´Onofrio - sendo o encontro entre os dois um dos pontos altos da série. De fato, Bernthal rouba a cena em cada uma das aparições do Justiceiro, praticamente carregando a temporada nas costas. A Elektra de Élodie Young também é um dos pontos altos da série. Construindo uma personagem um pouco mais diferente da das HQs, a atriz francesa consegue dar uma nova dimensão a personagem, alternando de forma incrível entre momentos de comicidade e brutalidade. Infelizmente, sua personagem sofre muito com os caminhos escolhidos para o desenvolvimento da temporada.
Quanto ao elenco original, todos continuam com o trabalho de qualidade do ano anterior. Dentro desse meio, porém, é preciso ressaltar o desenvolvimento incrível da personagem de Karen Page (Deborah Ann Woll) que, entre uma temporada e outra, virou uma nova - e mais interessante - personagem, ganhando mais importância à medida em que a série avança.
Nos demais quesitos, seja no campo narrativo, seja no campo visual, a série se mantêm a mesma, trazendo de volta os cenários sujos e sórdidos - e as pessoas não menos sujas e sórdidas - que se tornaram tão marcantes.
Mas nem só de coisas boas se constituí essa Segunda Temporada. E, indiretamente, as próprias adições que a tornam tão interessantes são as responsáveis por seus maiores problemas.
Pois, ainda que a ideia de calcar o desenvolvimento da série em múltiplas linhas narrativas seja interessante,essa mesma ideia termina afetando o ritmo da série pelo modo como ela escolhe apresentar suas histórias. No caso as histórias do Justiceiro e de Elektra são quase antagônicas entre si. Explicando melhor, a história do primeiro é tão forte e interessante que cria todo um tom que não só permeia toda a série como também, em certo sentido, a conduz. Desse modo, o surgimento da ninja e sua história, que segue uma linha de tema e tom bem diferentes da do vigilante, acaba apequenado pelo primeiro, e o fato de vermos Castle em maior ou menor grau em toda a Segunda Temporada sufoca a história de tal modo que temos apenas um vislumbre da força que o arco de Elektra e o Tentáculo poderia ter. Talvez se fosse conduzida de outra forma, com Justiceiro sendo abandonado em determinado ponto para o desenvolvimento do que poderia ser uma série própria, a série pudesse ter conseguido conciliar bem essas duas linhas narrativas mas, do jeito que está apresentado, não deu muito certo.
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Temporada foca no relacionamento do heroi com outros personagens do universo Marvel. (Divulgação) |
Outro problema da série é uma consequência natural de se trabalhar uma história com muitas linhas narrativas e pouco espaço para lidar com isso- os problemas de desenvolvimento e conclusão de cada uma delas. Ainda que os arcos do Justiceiro e Karen Page tenham um desenvolvimento e conclusão satisfatórios, os demais arcos - o de Elektra, os problemas da vida pessoal de Murdock, os problemas com a firma - terminam ficando muito corridos, e isso afeta muito a conclusão dos mesmos. No caso dos problemas com a firma de advocacia, por exemplo, todo o drama é tão apressado por causa das demais histórias que termina virando um ponto tão secundário que pode muito bem passar despercebido. O mesmo valendo para a premissa da vida pessoal de Murdock - e que, em certo sentido, é praticamente a premissa da série.
No caso de uma série maior, esses problemas poderiam facilmente passar despercebidos mas, numa série concisa - de apenas 13 episódios por temporada - como é Demolidor, são coisas que se tornam quase gritantes.
Mesmo assim, não é nada se comparado aos problemas de Batman Vs. Superman
Nota: 8,0
*Editado por Cisco Nobre às 12h22 de 12/04/2016